ANTROPOFOBIA-de Juvenal Arduini


A decisão foi tomada pelo mundo oficial da França. A culta França que Tristão de Ataíde, certa vez, qualificou de Grécia do século XX. O ministro da Educação, René Haby, decretou a redução dos estudos de Filosofia na França. A reforma levantou logo protestos em todo o pais. Pois os franceses sabem o quanto sua cultura deve à Filosofia. Ainda hoje as grandes figuras da cultura francesa como Michel Foucault, Lacan, Barthes, Morin, Lévi-Strauss, oferecem ao mundo uma contribuição de alto valor por causa da formação filosófica que lhes alicerça as pesquisas originais.

A redução dos estudos filosóficos estreita o horizonte cultural. E mais. Desestimula a formação de professores de filosofia, porque não vão encontrar campo para o magistério nessa área. E assim, a reflexão filosófica sistemática vai se empobrecendo cada vez mais. A atitude de Haby não é única. Encontra exemplares em outros países que experimentam as mesmas motivações e padecem os mesmos receios. O motivo vale mais do que o fato. E qual o motivo que levou a essa decisão? Uma das razões apresentadas foi a verificação de que os estudantes de Filosofia é que encabeçaram e movimentaram a contestação de 1968.

Outro motivo é o reconhecimento de que o estudo da Filosofia leva as pessoas a uma consciência crítica mais exigente. A Filosofia desperta a interrogação, aprofunda a reflexão, pesquisa motivos ocultos, reinterpreta fatos, questiona regimes políticos, condições econômicas, estruturas sociais. Ridiculariza justificativas aparentes ou falsas. Instaura o chamado segundo discurso. Após afirmações dogmáticas, a Filosofia introduz a dúvida. Após colocações aparentemente definitiva, ela promove a avaliação de significados e vàlores. Mantem vigilante a função crítica. Os setores fi1ósóficos abrem fendas nos sistemas fechados, revelam outra versão da História fermentam a libertação. E isso incomoda a muitos. E isso não interessa ao mundo oficial, aos padrões estabelecidos, aos sistemas dominantes.

E o instinto de defesa sugere logo a eliminação do incômodo. O primeiro passo é estancar a reflexão, é suprimir a crítica. Mas, o refletir, o questionar, o ser consciente, o criticar constituem a dimensão especificamente humana. O homem é o ser que emerge da inconsciencla. "E o primeiro emancipado da criação" diz Herder, é o ser que se define pelo "ver" atesta "O Fenômeno Humano". Ao promover o perguntar, o reinterpretar, o criticar, o re-significar, a Filosofia está promovendo e aprofundando o próprio ser do Homem. Nessa perspectiva, reduzir a Filosofia é reduzir o Homem. Tentar extinguir a reflexão filosófica é encaminhar a extinção do Homem.

Calar a Filosofia é calar o Homem. Abolir o risco da Filosofia é abolir o risco de ser Homem. Quando pensar se torna ameaça é que o Homem se tornou incômodo. Teme-se o Homem. Vive-se a era da Antropofobia. O medo do Homem. Então, é preciso exilá-lo. E preciso desembaraçar-se do próprio Homem. Pois é tão agradável contar apenas com servos e lacaios. E tão prático tratar com executivos e funcionários bem treinados.

E tão funcional cadenciar os sincerros na "Fazenda Modelo". A ordem da peça humana na engrenagem da massificação. A função, sim. O Homem, não. O Homem inquieta. O Homem incomoda. O Homem é perigoso. O Homem é animal indomesticável. Poder-se-ia pensar: René Haby percebeu o que existe de destrutivo na Filosofia, para o seu sistema, por isso quis restringir-lhe o campo de influência. Se o zelo fosse esse, a França teria motivos de sobra para estancar fontes clamorosas de destruição e ruína.

Apenas um exemplo: A França é um dos grandes negociantes de armas no mundo. Coloca-se em quarto lugar, após os Estados Unidos, União Soviética e Inglaterra. Se a França tivesse real preocupação com os fatores destrutivos, seria o caso de abolir a venda de armas, e não de encurtar a reflexão filosófica.

É que a Filosofia incomoda e não rende. E o mercado de armas rende e não incomoda.


Copiado por J.C.de S.Jr. Do livro "Estradeiro" do Antropólogo, Juvenal Arduini - Edições Paulinas



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