Jornal da Gíria

Jornal Mensal em idioma gírio – Edição 057 – Ano XIX– Niterói RJ –Janeiro e Fevereiro   de 2009

Passaremos os 400 mil acessos

Agradeço a marca de 400 mil acessos em oito anos do Jornal da Gíria, espaço criado para dar curso à criatividade dos brasileiros no exercício do idioma gírio.

Foram muitas as referências aqui explicitadas, mostrando ao mesmo tempo a evolução do idioma gírio entre nós, de vez em quando restaurando as pontes com um passado que foi rico, na mesma proporção da riqueza do presente.

Nesta oportunidade, estou anunciando a 8ª, edição do Dicionário de Gíria que deverá ser posto à venda no 1º trimestre de 2009, com mais de 32.500, inclusive com gírias de Portugal, Angola e Moçambique, o que de um lado discaracteriza o enunciado de “equipamento lingüístico do brasileiro”, adquirindo uma nova referência de “equipamento lingüístico falado da Comunidade dos `Países de Língua Portuguesa”, com todo respeito – quase todos - às vésperas das comemorações dos 300 anos de gíria na Língua Portuguesa, que serão comemorados em 2012, com base no primeiro reconhecimento gírio no Dicionário do Padre Raphael Bluteau, de 1712.

Já pedi, petulantemente, a presidência da CPLP sua atenção para um programa mínimo das comemorações dos 300 anos.

Vou pedir à ABI para que faça alguma coisa. Não pode é criar Grupo de Trabalho.

Na omissão coletiva, passou em branco os 100 de gíria brasileira, nos 100 anos do lançamento do Dicionário Moderno, de Bock, pseudônimo de quem foi senador da República. Nem o nosso venerável Artur da Távola atendeu minha solicitação para uma homenagem. Fui à Biblioteca do Senado, em Brasília,  perguntar sobre o senador alagoano e fui atendido com desprezo olímpico. Naquele tempo o Senado funcionava no Rio de Janeiro

8ª. edição do Dicionário de Gíria.

Vai a capa da 8ª, edição do meu Dicionário de Gíria, elaborada pelo artista gráfico cearense e escritor consagrado Audifax Rios e com arte-finalização de seu filho, João Rios.

A 8ª. edição, com 32.500 gírias, está na reta final.

Deverá ser lançada em março de 2009.

Quem desejar poderá reservar seu exemplar.

Terá gírias do Brasil, Portugal, Angola e Moçambique.

Gírias do Paraná

Recebi:

“Descobri o site de vocês pela coluna do Ivan Lessa, na BBC Brasil.

Como vi que vocês publicaram gírias capixabas e goianas, estou passando uma pequena lista de gírias curitibanas:

acolchoado: coberta normalmente feita de lã de carneiro
adevogado: pronúncia curitibana para a palavra advogado
aipim: mandioca
alimentadores: ônibus provenientes dos bairros e que alimentam os terminais
amarra, trava: cica das frutas que ainda estão verdes. Ex.: Este caqui está
amarrando!
antipó: asfaltamento primário
apurado: com pressa para ir ao banheiro
arregado: algo bom, que está levando vantagem
Atletiba: Clássico do futebol paranaense, entre Atlético e Coritiba
azeite: óleo de soja
baixada: estádio do Atlético
banana caturra: banana nanica
batata salsa: mandioquinha
beti-ombro: jogo de beti
bi-articulado: ônibus bi-articulado
bi: abreviação do bi-articulado
bicho-cabeludo: taturana
bidê: 1.criado mudo, 2.peça sanitária
biscate: prestadora de servicos amorosos
bocó: bobo, tolo
bolacha: termo mais comum que biscoito
borrão: rascunho
broa: pão
bucuva: pancada na cabeça com mão fechada; croque
bugiganga: coisa velha, que não serve para nada
búrico, búlica: jogo com bolinhas de vidro ou de gude
calcinha: tipo de elástico para cabelo
caldeirão: Estádio do Atlético
camarada: amigo. Seu amigo em Curitiba é seu camarada.
canaleta: pista exclusiva para ônibus expresso
cancha: quadra poli-esportiva
capilé: groselha
carpê: carpete
carpim: meia masculina
catarina: catarinense
champagnat: bigorrilho, bairro de Curitiba
champinha: tampinha de garrafa
chimia: Nome derivado do alemão para designar qualquer doce em pasta para
passar no chineque
chineque: pão doce
chuncho: improvisação mal feita
cidade: o mesmo que centro (bairro). Ex.: vai para a cidade hoje?
Couto: estádio do coxa
coxa: Coritiba (clube de futebol)
coxa branca: torcedor do coxa
cozido: embriagado
croque: cócoras
CTA: Curitiba perante a Telebrás
cueca virada: roscas doces fritas e passadas em açúcar e canela
cuque ou kuke: especie de torta recoberta de farelo de maçã ou banana
Curitiba: famoso Shopping de Curitiba
curitiboca: um tipo de pessoa, existente em qualquer lugar, que tem mania
de reclamar ou por defeito em tudo que vê.
CWB: identificação de Curitiba perante a INFRAERO
de apé: andar a pé Ex.: Vou de apé no shopping.
de cara!: relativamente inconformado Ex.: Ele ficou de cara com o preço!
de fianco: o mesmo que "de viés", "de revesgueio", "de soslaio", "de
través", atravessado, "de retanfian"
de volta: de novo. Ex.: Você vai à cidade de volta?
descer: ir a praia Ex.: Você vai descer este final de semana?
descer o rio de bóia: rafting praticado em câmaras de pneus automotivos, no
rio Nhundiaquara
descolar: pedir algo ou alguma coisa entre amigos. Ex.: me descola um cigarro?
destrocar: ato de trocar uma mercadoria
dinherudo: pessoa abastada, mas que vive lamentando da falta de dinheiro
disgranhento sujeito mal, desgraçado
dolé: picolé
empachado(a): estufado(a)
ensebar: perder tempo
Estação: famoso parque de lazer da cidade.
estação tubo: local de embarque/desembarque de expressos e ligeirinhos
estarlete: fiscal de controle de estacionamento urbano
expresso: ônibus expresso, o qual circula em canaletas especiais
fazenda peça de tecido
ferry boat: balsa para travessia Caiobá-Guaratuba
ferpa, ferpinha: estrepe, pedaço bem pequeno de madeira que penetra nas
mãos de quem a manuseia sem cuidado
foco: lâmpada
furacão: Atlético (time de futebol)
fuque: carro volkswagen, conhecido no resto do Brasil como fusca
galinha de porão: curitibano que não toma sol e fica branquelo. Quando vai
à praia está mais branco que galinha de porão
gambiarra: enjambração, coisa mal feita, improvisada, "nas coxas",
artifício técnico duvidoso.
gasosa: refrigerante (abacaxi, framboesa, limão, gengibirra, etc)
gengibirra: gasosa de gengibre
guapeca: cachorro jaguara
GUIACWB: o primeiro canal de conteúdo curitibano na internet
guri / guria: menino, piá / menina.
graciosa: Estrada da Graciosa (local turístico)
interbairros: ônibus que circula entre os bairros
jaleco: avental (uniforme)
jacu: caipira
jaguara: adjetivo usado para objetos/pessoas/animais de pouca ou nenhuma
qualidade
janta: jantar Ex.: Na hora da janta ...
jogo de tique: você joga com uma moeda, ou uma arruela. joga contra um
poste ou parede. vai fazendo pontos quem joga mais perto da peça do adversário
jojoca: soluço
jure!: expressão de incredulidade
jururu: quieto
lambrequim: enfeite presente no beiral das casas de madeira
largo: Largo da Ordem (bairro de curitiba)
leite quente: designa o morador de curitiba pelo sotaque
lombada: quebra molas
lombada eletrônica: redutor eletrônico de velocidade
lote: terreno
ligeirinho: ônibus de circulação rápida que para somente em estações tubo
mala: 1. pasta de colégio 2. pessoa chata, desagradável
média: xícara de café com leite, pingado
meio-fio: guia da calçada
mimosa, mixirica, bergamota: tangerina
nega-maluca: bolo de chocolate com cobertura
negócio: armazém , venda, botequim
nhápa: lambuja - Ex.: Você compra 12 bananas e ganha duas de nhápa
nhanha: polaco desconjuntado, uma pessoa caipira
o pai, a mãe: meu pai, minha mãe (independe da intimidade que se tenha com
o interlocutor) Ex.: A mãe conhece
você?" significa:"Minha mãe te conhece?"
ospra: o mesmo que "". Expressão de origem polaca
ópera: Ópera de Arame (local turístico)
paiol: Teatro Paiol
palanque: poste de sustentação
palha: qualquer coisa que seja ridícula, demodê, desacordante com o gosto
da maioria
pão com vina: cachorro quente
pão d'agua: pão bundinha, arredondado com uma divisão no meio (50g)
papel lustro: papel espelho
papel carmim: papel colorset ou papel dupla-face (cartolina de cores vivas)
parada: Qualquer coisa que não está presente no momento. Ex.: "Conseguiu
aquela parada, ligado?"
paranista: torcedor do Paraná Clube
Parque Barigui: a praia de Curitiba
Passeio Público: Parque do centro da cidade, com animais de pequeno porte
patente: vaso sanitário
pedreira: Pedreira Paulo Leminki (local turístico)
peladão: praça 19 de Dezembro, onde tem duas estátuas de nu artístico
penal: estojo para lápis, canetas, etc
piá: garoto, menino
picareta: vendedor de carros usados
pila: dinheiro
pingado: café com leite, mais leite que café, servido em lanchonetes em
copos de vidro
podar: ultrapassar um veículo
poióca: alguma coisa, coisa propriamente dita.
polaco(a): 1. polonês/polonesa 2. qualquer espécie de pessoa loira
ponta-cabeça: de cabeça para baixo
posta branca: tipo de carne, de cor vermelho claro, conhecido em outras
regiões por Lagarto.
pousar (geralmente sem o u): dormir na casa de alguém. Ex: Você vai posar
na casa da sua tia?
quadra quarteirão:...esta casa fica a 2 quadras da minha
quedê ou quedê-lhe: onde está? Ex.: Quedê-lhe o meu jornal?
quentão: bebida quente preparada com vinho tinto, gengibre e canela
raia: pipa, pandorga, papagaio (MG)
refri: simplificação de refrigerante
representa: parece Ex.: representa que é verde, mas é azul...
rodízio: espeto corrido
rodoferroviária: um mix de rodoviária e ferroviária
sanduba: sanduiche qualquer
sarado: pessoa em forma , musculosa, magra
sarau: baile para jovens
serração: neblina, nevoeiro.
setra: estilingue, bodoque, atiradeira.
shortes: o "short" que o curitibano tem mania de falar no plural
sinaleiro, sinal: semáforo
socorro: estepe, pneu reserva.
subir: retornar da praia para a capital Ex.: Quando você pretende subir?
submarino: chopp com steinhaeger servido no bar do alemão
tempo brusco: clima nublado, fechado e escuro.
tipo assim: expressão explicativa, introdutória para qulaquer assunto. A
finalização de uma frase que começa com "tipo assim" geralmente é " ligado?"
tombeira: caminhão basculante
tongo: individuo com pouca inteligência
topete: penteado típico de adolescentes e mulheres curitibanas (franja)
trincheira: viaduto
trocha: bobo
tubo: ponto de ônibus para expressos e ligeirinhos
véio: camarada, amigo do peito. Ex. E aí véio!
vela: 1. relativo a potência da lâmpada Ex . Foco de 100 velas.
2. pessoa que nao sai de perto de casais / namorados
vermelhão: bi-articulado
vestiba: vestibular de Curitiba, ou os próprios vestibulandos
via rápida: avenidas de acesso "rápido"
vina: salsicha
Volte-meia (volta e meia): regularmente
wimi: refrigerante de laranja (tipo fanta)
xpicanha: sanduíche de "picanha"

O Mário Prata está  desolado, pois agora tiraram o trema da lingüiça.

Mandaram-me por e-mail

O Novo Dicionário: NOME DAS COISAS

Mario Prata (*)

 Outro dia fui comprar um abajur. A mocinha me olhou e perguntou:

 - Luminária?

Eu olhei em volta, tinha uma porção de abajur.

 - Não, abajur mesmo, eu disse.

 - De teto?

 Fiquei olhando meio pasmo para a vendedora, para o teto, para a rua.

 Ou eu estava muito velho ou ela estava muito nova. No meu tempo - e  isso faz pouco tempo - o abajur a gente punha no criado-mudo, na  mesinha da sala. E lá em cima era lustre.

 - Lustre?

 Descobri que agora é tudo luminária. Passou por spot, virou luminária.

 Pra mim isso é pior que bandeirinha virar auxiliar de arbitragem e  passe (no futebol), chamar-se agora assistência.

 Quem são os idiotas que ficam o dia inteiro pensando nessas coisas?

 Mudar o nome das coisas?>

 Por que eles não mudam o próprio nome?

 A mocinha-da-luminária, por exemplo, se chamava Mariclaire.

Desconfio até que já tivesse mudado de nome.

Pra que mudar o nome das coisas?

Eu moro numa rua que se chama Rodovia Tertuliano de Brito Xavier.

 Sabe como se chamava antes? Caminho do Rei.

 Pode? Pode! Coisa de vereador com minhoca na cabeça e tio para homenagear.

 Mas lustres e abajur, gente, é demais.

Programação de televisão virou grade.

Deve ser para prender o espectador mais desavisado.

 Entrega em domicílio virou delivery. Agenda de correio, mailing.

São os publicitários, os agentes de 'marquetingui'?

Quer coisa mais bonita do que criado-mudo? Existe nome melhor para aquilo?  Pois agora as lojas vendem mesa-de-apoio.

Considerando-se a estratégica posição ao lado da cama, posso até  imaginar para que tipo de apoio serve.

Antigamente virava-se santo, agora vira-se beato, como se já não bastassem todas as carolas beatas que temos por aí.

 Mudar o nome de deputado para putado ninguém tem coragem, ?

 Nem de senador para sonhador. Sonhadores da República, não soa bem?

E uma bancada de putados?>

A turma dos dez por cento agora se chama lobista!  E a palavra não vem de lobo, mas parece.

E por que é que agora as aeromoças não querem mais ser chamadas assim?  Agora são comissárias. Não entendo: a palavra comissária vem de  comissão, não é?  Aeromoça é tão bom e terno como criado-mudo.  Pior se as aeromoças virassem moças-de-apoio, taí uma idéia.

E tem umas palavras que surgem de repente do nada.

 Luau - Isso é novo.  Quando eu era jovem, se alguém falasse essa palavra ou fosse  participar de um luau, era olhado meio de lado. Era pior que tomar  vinho rosé.  Coisa de bicha, isso de luau.

Mas a vantagem de ser um pouco mais velho é saber que o computador que  hoje todo mundo tem em casa e que na intimidade é chamado de micro,  nasceu com o nome de cérebro-eletrônico. Sabia dessa?  E sabia que o primeiro computador, perdão cérebro-eletrônico, pesava  14 toneladas?  E que, na inauguração do primeiro, os gênios da época diziam que, até  o final do século, se poderia fazer computadores de apenas  uma tonelada?>

 Outra palavrinha nova é stress.  Pode ter certeza, minha jovem, que, antes de inventarem a palavra, quase ninguém  tinha stress. Mais ou menos como a TPM.

 Se a palavra está aí a gente tem de sofrer com ela, não é mesmo?

No meu tempo o máximo que a gente ficava era de saco cheio.

Estressado, só a turma do Luau.

E agora me diga: por que é que em algumas casas existe jardim de  inverno e não jardim de verão?

 E se você quiser mudar o nome desta crônica para lingüiça, pode.  Desde que coloque o devido trema.  Também conhecido como dois pinguinhos.

Mário Prata

Pesquisa nega fama de esperto de carioca

Por Paula Autran, em O Globo, de  29/11/2008

                RIO - Malandragem, dá um tempo. Mané é quem continua a apregoar que o carioca é o rei da malandragem, como ficou comprovado na comparação dos números de casos de estelionato registrados em 16 capitais do Brasil. Esta foi a maneira que O GLOBO encontrou de descobrir se quem nasce e/ou vive no Rio faz jus à fama de "espeeeerto" e 171, número do artigo da lei que enquadra aquele que tenta "obter, para si ou para outrem, vantagem patrimonial ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo em erro alguém mediante artifício, ardil ou qualquer outro meio fraudulento". (Confira músicas que falam da malandragem carioca)

                E não deu Rio na cabeça: com uma população de 6.093.472 habitantes, segundo o IBGE, em 2007 a cidade teve registrados 13.319 casos, o equivalente a 218,57 por cem mil habitantes. Perdeu, playboy - para os curitibanos (que registraram taxa de 391,45 por cem mil habitantes), para os goianos (376,49) e para os catarinenses de Florianópolis (261,13).

                Aprendiz, o estudante Luís (nome fictício) foi reprovado em malandragem: ele estava num orelhão em Vila Isabel, quando um senhor de uns 50 anos o abordou para vender um videogame, sem nota fiscal, por um preço mais em conta. O rapaz não tinha o valor total, mas concordou em dar o seu próprio videogame, de modelo antigo, mais R$ 100 pelo novo.

                - Ele falava como se conhecesse o dono da banca de jornal perto do meu trabalho, o que me passou confiança. Fiquei de voltar no dia seguinte para deixar meu videogame com o cara da banca para entregar a ele. Aí, por R$ 100 o golpista me passou o pacote pesado que estava em sua mochila, supostamente com o game. Quando abri, estava cheio de pedras dentro. Foi bobeira minha, e cegueira pela boa proposta.

Pesquisa: para maioria, fama é justificada

                Perguntados sobre se concordavam com a frase "todo carioca é malandro", numa pesquisa do Instituto Brasileiro de Pesquisa Social (IBPS) que ouviu 852 cariocas, 67% disseram considerá-la verdadeira em parte ou totalmente, contra 32% que a julgaram falsa.

As idéias não correspondem aos fatos

Escreveu  Arnaldo Jabor , em O Globo 09/12/2008

                Além da crise econômica e social, vivemos hoje também uma crise lingüística. Sim; os fatos estão superando as interpretações. O mundo aboliu certezas. E palavras novas gemem por existir.

                Sempre achei que Joyce enlouqueceu ao escrever Finnegans Wake. Ele era gênio, mas pirou nos trocadilhos. Por isso, clamo: “Onde está você, Joyce, agora que precisamos de palavras novas para descrever o mundo?”

                Todo discurso ficou duro, paralítico diante da velocidade da vida. Sim, temos de usar outros termos para descrever a loucura que nos tomou. Como cantou o Cazuza: “as idéias não correspondem mais aos fatos”.

                As coisas andam tão rápidas que as palavras correm atrás, tentando um sentido, mas, capengas, não dão conta. Como as pretensas “limitações ao capitalismo” (o que já é um absurdo) que não seguram a voracidade de um mercado virtual, como o amor que se esvaiu numa apropriação indébita do “outro”, como o sexo que virou uma máquina narcisista, como os governos que fingem funcionar mas apenas dançam um falso balé para as massas, como a política que não passa de um parafuso espanado que não faz girar a vida social, as palavras ficaram vazias de sentido.

                Como descrever um homem-bomba? É um suicida ou um feliz renascido para Alá? Como chamar o sujeito que, na Alemanha, pediu para ser morto e devorado no jornal – e foi? Como nomear a violência que explode, com homens torrados nos “microondas” dos morros, com esquartejamentos de crianças, com bebês no lixo? É crueldade de alguns “cidadãos desviantes” ou é uma nova espécie de animal que surge da lama?

                Temos de recorrer aos chamados “oxímoros”. Sabem o que são? O oxímoro é a figura de retórica mais útil no mundo atual. Nascem de duas palavras contraditórias e se unem para chegar a um terceiro sentido. São como bichos de duas cabeças, centauros da sintaxe, para dar conta da ambivalência do mundo.

                Podemos falar de um “silêncio eloqüente” ou o contrário, “uma eloqüência muda”, como tantos discursos com que o governo atual nos afoga. Podemos falar também de “uma inocente culpa” para designar as cassações cassadas na Câmara, ou os ladrões liberados pelos tribunais que já criaram um oxímoro também, os “habeas corpus preventivos”, ou seja, o direito à mentira sem punição.

                Que nome dar à “era Bush”? Democracia ou “demoniocracia”, declarando guerras em nome da paz? E a recente (graças a Deus banida para o Alaska) Sarah Palin que era um “pitbull de baton”? O que dizer de termos como “globalização ética ou capitalismo socialmente responsável”?

                Que nome daremos ao desejo de extermínio que começa a brotar nos cérebros? Exterminar bandidos, exterminar excluídos, exterminar superpopulação? Quantas vezes desejamos que os miseráveis desaparecessem? Que nome daremos à razão exterminadora que se organiza? “Africa addio?” “New Auschwitz, “Hello Treblinka?”

                Que palavras para designar a paralisia do político brasileiro que vai muito além do conservadorismo, do desejo do fixo? Que nome dar a este melaço da alma que odeia as reformas e o novo? Podemos chamar políticos de “reacionários” – tudo bem – mas, como nomear a linfa ancestral que os alimenta? Que visgo brasileiro é esse que anima os “empatadores” do progresso? É uma pasta feita de egoísmo, preguiça, escravismo colonial que movimenta essas matilhas de canalhas. Que nome dar a isso? A gosma do Mesmo?

                Como chamar o sanduíche misto do público e privado no Brasil? Não há mais a divisão tradicional, casa-rua, privado e público. O público e privado estão imbricados num DNA em espiral, uma espiroqueta pálida que faz a História andar em círculos viciosos.

                Como nomear a simbiose entre mídia e política? A notícia cobre os fatos ou os fatos obedecem ao desejo de notícia? O que é imprensa e o que é História? O que é virtual e real nesta terra? Media-politics? Polimídia? Poli-show? A política como teatro. Dancing days: Corpo de baile do Congresso? Malabaristas do Executivo?

                Que outra palavra para nomear a idéia atual de “felicidade”? Ser feliz hoje é excluir o mundo em torno, como grades em edifícios de luxo. Ser feliz é pelo “não”. Hoje no Brasil é “não” ver a miséria, “não” se preocupar com o país, “não” acreditar em nada. Ser feliz: nada ver, nada ouvir. Ouvidos moucos, antolhos, visão seletiva. Neo-felicidade? Ou in-feliz-cidade?

                A miséria já foi útil. Diante dela, tínhamos a vantagem da compaixão. Hoje, diante da solução impossível, nossa compaixão virou raiva. O pobre virou um estraga-prazeres. Como chamar o sentimento de tédio e medo diante de um menino de rua na janela do carro? “Compaixão”, não. Ódio e pena? Contra-paixão?

                Que nome daremos a esta nova língua, nova ética, que a miséria cria nas periferias? É uma razão que a loucura produz, os restos que sobram do “não”. É uma “novi-língua” feita de grunhidos, afasia, novos sentidos de uma miséria desconhecida.

                Já surgiu um outro país dentro da fome, com um grande uivo ilógico que está além da piedade, do bom senso, invencível por qualquer progresso? Seria o quê? O Bucho? A Coisa?

                Como nomear, digamos, o sexo? Neo-sexo? O sexo vestiu a camisa. Na hora do amor, pensamos na morte. Na hora da nudez, usamos o terrível capote inglês, que cria o medo na hora da alegria.

                A Camisa-de-vênus nos protegia contra o excesso de vida. Hoje, como chamá-la? Amor-medo? Nojo-amor? A camisinha de Tanatos?

                E no mundo da “inteligentsia” (esta palavra antiga): “gênios inúteis”, “burros cultos”, “neo-cretinos”? E os novos tipos políticos? Neo-conservador, progressista-reacionário, direitismo de esquerda ou esquerdismo de direita?

                E neste ano que “começa a terminar”? Seremos livres-prisioneiros, inocentes-criminosos, tristes-palhaços, filhos da bolha, povo-platéia, o quê? Não há mais palavras para exprimir nossa indignação ou será que não temos mais indignação para exprimir em palavras?